quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Ribeirinhos

      Ao discutir a identidade das populações que vivem na Amazônia, a comunidade ribeirinha imediatamente é lembrada como uma representação da cultura local. A partir dessa discussão se vê então a importância do rio e das matas em diversas perspectivas da região, por exemplo, o traçado da rede fluvial que faz a circulação tanto de pessoas como de mercadorias, o que consequentemente originou o povoamento europeu na Amazônia no início do século XVII. Isso porque, vale lembrar, que a Amazônia encontra-se povoada pelos seus próprios nativos há milhares de anos, (estima-se que há pelo menos 19 mil anos).
          A região amazônica pode ser caracterizada a partir de dois padrões de ecossistemas chamados de “terras firmes” que são áreas altas ocupadas por florestas que não estão sujeitas a inundações, e as “terras de várzea” que são as áreas baixas, na beira dos rios, e que em consequência disso, sofrem com as inundações em períodos de chuva. As terras de várzea compõem a maior parte do território amazônico. 


Imagem 1: Mata de Terra Firme. Fonte: Wikipédia.



Imagem 2: Mata de Várzea. Fonte: Wikipédia. 

         Quando os ibéricos (portugueses espanhóis) vieram com o objetivo de ocupação, eles optaram pelas terras de várzea por possuírem um número maior de nativos, formando assim, vilas e aldeamentos que foram ampliados durante o período conhecido como ciclo da borracha. A partir disso os núcleos populacionais, e mesmo a própria rede urbana que estava diretamente ligada aos rios, foram se formando.
          É nesses espaços onde vivem os ribeirinhos, em pequenas comunidades localizadas a beira dos rios, dispersos em casas de madeira, construídas em palafitas.


Imagem 3: Palafitas. Fonte: Wikipédia.

As famílias ribeirinhas se estabelecem pelo trabalho na roça, e a participação da vida social e religiosa da população construindo uma organização própria, estratégia de adaptação, identidades e instituições.
Por meio da mestiçagem os ribeirinhos adquiriram conhecimentos, valores de diversos povos e isso tornou possível o desenvolvimento de uma cultura diversa. Os povos amazônicos não vivem isolados no espaço-tempo eles mantém relações de trocas materiais e simbólicas entre si e com as comunidades vizinhas.
Os ribeirinhos dependem tanto da terra quanto da água para seu trabalho, trabalho este, baseado em atividades como a pesca, a agricultura, a caça, a extração de produtos florestais, a criação de animais domésticos, comércio e ainda pequenas madeireiras (atividades de subsistência). Mas é importante destacar que todas essas atividades respeitam o chamado “ciclo da natureza”, ou seja, é ela que dita quando pescar, plantar ou colher. Se houver uma enchente por exemplo, várias de suas atividades ficam comprometidas.
Ao fazerem uso da água do rio como fonte de subsistência, os ribeirinhos a usam tanto para beber, tomar banho e lavar utensílios domésticos como para realizar atividades como a pesca.


Imagem 4: Ribeirinho Pescando. Fonte: progresso.com

Geralmente as atividades de pesca são feitas a noite. Há certo tempo, era possível encontrar peixes para toda a família, mas atualmente o que se percebe é que há uma ausência dos peixes decorrente da comercialização monopolizada, e mau uso dos instrumentos de pesca, o que desestabiliza a economia de subsistência dos povos ribeirinhos.
Os ribeirinhos extraem da natureza produtos florestais como o açaí, a castanha-do-pará, o piquiá, o cupuaçu, o palmito e outros. Estudos identificaram os vegetais oleaginosos como o cumaru, o murumuru, o pracaxi, a andiroba, a ucuúba e o patauá, cujas sementes ou amêndoas fornecem óleos para diversos produtos de beleza já industrializados.


Imagem 5: Açaí, fruto. Fonte: avozdoxingu.com

            Por isso, esses produtos têm sido procurados por várias indústrias de alimentos, fármacos e cosméticos do Brasil e do mundo, como por exemplo a Natura. As comunidades, portanto, vendem as resinas, óleos e essências aromáticas para essas empresas. Embora uma grande parte dos ribeirinhos vivem desta atividade, principalmente aqueles que desenvolvem práticas de preservação em áreas florestais, ela ainda é uma atividade informal (trabalho informal é o trabalho sem vínculos registrados na carteira de trabalho ou documentação equivalente, sendo geralmente desprovido de benefícios como remuneração fixa e férias pagas).
            A lavoura de subsistência é extensa e itinerante, ou seja, é realizada sem o uso de tecnologias modernas e não possui um espaço fixo. Assim, a agricultura é feita em determinados períodos e depois de cultivada a terra perde suas propriedades produtivas e a lavoura é feita em outro local. O que predomina na região é a agricultura da mandioca, raiz que constitui um dos alimentos básicos em diversas formas (farinha, mingaus, bolos, maniçoba, tucupi e tacacá) do amazonense. O sucesso de sua produção é pelo fato desta crescer facilmente em solos pobres em nutrientes.


Imagem 6: Tucupi. Fonte: colegiosacramentinas.com

            Algumas famílias têm alimentos industrializados em sua alimentação diária, eles não precisam se locomoverem para as cidades vizinhas para fazer as compras, algumas vilas tem um pequeno comercio que os fornecem, porém, com preço elevado.
            Cada comunidade possui sua igreja católica ou evangélica, e um salão de festas. Também possui escolas que geralmente vão até o quinto ano do ensino fundamental. Uma vez ao mês, em média, têm agentes comunitários fazendo visitas as comunidades.


Imagem 7: Centro Comunitário Ribeirinho. Fonte: Blog dos Ribeirinhos.

            O meio de transporte utilizado pelo ribeirinho recebe o nome de casco ou montaria, uma canoa primitiva feita de um tronco escavado por processos manuais rudimentares, sem toldo e sem vela utilizando apenas o remo para navegar, mas que foi adaptado, passando a usar motor a gasolina que eles chamam de “rabeta” ou “biqueta”.


Imagem 8: Canoa Ribeirinha. Fonte: YouTube. 

          Sendo assim, a vida cotidiana do ribeirinho se estabelece pelas relações constituídas com e através do rio e das florestas.
        Deste modo o rio e a mata proporcionam os meios de sustento, comunicação e transporte de milhares de ribeirinhos em toda a Amazônia.


Imagem 9: Crianças Ribeirinhas. Fonte: Revista do Brasil.

O texto aqui apresentado, revela um pouco da identidade dos ribeirinhos, um dos grandes povos da floresta, que segundo estudos realizados, somam hoje, cerca de 37 mil pessoas. Estamos aqui falando de 37 mil “uns”, que lutam dia a dia, para se manterem, e para manter viva suas crenças, seus costumes, suas características, e principalmente, o lugar onde vivem: as florestas.
Temos muito o que aprender com esses povos, que há milhares de anos, habitam nossas matas e retiram dela, mais que recursos, retiram sabedoria de vida. Eles nos mostram que é possível fazermos uso dos nossos recursos naturais de uma maneira sustentável, de modo que estes não se tornem escassos com o passar do tempo.
Mas os ribeirinhos enfrentam um desafio: os indivíduos que diariamente adentram nossas matas, em busca de riquezas, lucro e dinheiro, que ignoram os que dela dependem para sobrevivência, e que ignoram o tempo da natureza, deixando para trás um rastro de destruição, na maioria das vezes, irreparável.
Também é preciso lembrar, que a Amazônia, é a nossa casa comum. Ou seja, ela não pertence somente aos que dela dependem diretamente, como os já citados aqui, quilombolas, castanheiros, babaçueiros, seringueiros, indígenas e ribeirinhos, pois ela também é minha, é sua é de cada um de nós! Já imaginaram o que seria de nós se a Amazônia não existisse? Apresento aqui um fato que julgo ser uma prova contundente de que ela é mais que necessária. Talvez vocês nunca tenham ouvido falar, ou nunca tenham se atentado a isso, mas, se fizemos uma análise da faixa do globo na qual a floresta está inserida (Zona Tropical) temos que na América, há a Amazônia, uma floresta exuberante, com seus 915 mm de chuvas anuais. Nessa mesma faixa longitudinal, seguindo para leste, no continente africano temos o grande deserto do Saara, e ainda mais a leste, na Oceania, temos os desertos australianos. O que eu quero mostrar com isso? O quanto a presença de um elemento natural como a nossa floresta é importante para a dinâmica do país como um todo, para isso basta comparar o clima de ambos os lugares citados. E o que isso tem a ver com os povos? Bem, eles nos ensinam a preservar para não perder este bem tão valioso!
O que apresento aqui, é apenas uma brecha, pouco do muito que há ainda para se aprofundar. Espero que tenha servido para despertar em cada um de vocês a curiosidade, e mais que isso, a consciência de preservar!
Como uma forma de tornar os estudos um pouco mais dinâmicos, trago aqui uma música intitulada “Pescadoras de Doações”, e dois vídeos parte integrante de um documentário intitulado “AMAZÔNIA: A vida nas águas”. Eles mostram um pouco do modo de vida dos ribeirinhos, como fazem para se transportarem, irem à escola, e as dificuldades que enfrentam no dia a dia. É necessário que ouçam, assistam e façam as atividades que seguem.

Pescadoras de Doações
Boi Garantido


Na verde mansão dos deuses
A realeza é um simples rio
Onde o sol despeja raios brilhantes
Prateando as suas ondas que dançam
As canções do vento que alimentam esperanças
Refletidas no sorriso das crianças ribeirinhas
Pescadoras de doações
Que se ariscam sempre ao desafio
De colher os presentes lançados
Nas correntezas de um rio
Que é a vida e sustento desse povo bravio
Da Amazônia
que encanta este imenso Brasil
Pra navegar tem que se ter coragem
Sobreviver tem que lutar
Vem da tradição dos viajantes
Que navegam nessas águas protegidos pela fé
Um belo e solidário gesto de amor
De quem segue seu destino, mas que em "Breves" voltará
Trazendo na bagagem uma nova esperança
Garantindo o amanhã dessas crianças ribeirinhas.


“AMAZÔNIA: A Vida nas Águas”

Série exibida pela TV Record, episódios disponíveis em:




Atividades

Faça uma interpretação dos seguintes versos da música: “Na verde mansão dos deuses, a realeza é um simples rio [...]”.  
Considerando o seguinte trecho da canção: “Pescadoras de doações que se ariscam sempre ao desafio [...] e o que foi visto nos vídeos, faça um texto com no mínimo 10 linhas, descrevendo as maiores dificuldades enfrentadas pelos povos ribeirinhos.

Por: Heloiza Xavier.

Referências

CHAVES, Maria do Perpétuo; LIRA, Talita. Comunidades ribeirinhas na Amazônia: organização sociocultural e política. Interações, Campo Grande, MS, v. 17, n. 1, p. 66-76, jan./mar. 2016.
PIMENTEL, Maria Aparecida; SALGADO Mayany; SANTOS, Cássio Rogério Ribeirinhos da Amazônia: modo de vida e relação com a natureza.
PORTO-GONÇALVES. Carlos Walter. A Amazônia é nossa. De quem mesmo? IELA – Instituto de Estudos Latino-Americanos, ago 2019. Disponível em: <http://www.iela.ufsc.br/noticia/amazonia-e-nossa-de-quem-mesmo>. 
SILVA, Iêda. Modo de vida do ribeirinho: construção da identidade amazônica. VIII Jornada internacional políticas públicas, UFMA, ago. 2017.

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